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Uma Copa para agitar o menor município do Brasil

Texto retirado do tumblr 'Na Beira da Copa'

23 de maio de 2014


Não levaram mais do que 20 segundos para desaparecer. Assim que avistaram o nosso carro, interromperam a conversa, se levantaram do cordão da calçada, recolheram as cadeiras, pegaram no colo as crianças e se meteram em casa. A duas quadras dali, o sargento Ronan Paulino atendia ao telefone: um dos moradores avisava que tinha gente estranha na cidade.

Nunca houve um registro de roubo na história de Serra da Saudade (MG), o menor município do país em número de habitantes – são 825, conforme o IBGE. O homicídio mais recente, parece mentira, foi em 1957, quando o Brasil ainda não ganhara nenhuma Copa. Ninguém tranca a porta de casa para dormir, ninguém fecha os vidros do carro para estacionar. Na praça central, maior ponto de encontro da cidade, não se ouve nem cachorro latindo às três da tarde. Mas a minguada população desconfia quando forasteiros interferem na bonança.

– É que hoje é comum explodirem caixa eletrônico no Interior – explica o dono do supermercado, João Faustino Filho, 43 anos, ao lado da mulher, Soraia, a quem conheceu quando tinha cinco.

Os 30 quarteirões – nenhum tem semáforo ou faixa de pedestres, muito menos restaurante ou posto de gasolina – se preparam para uma agitação anormal em 12 de junho. Quando a prefeitura instalar dois telões e o Brasil entrar em campo na abertura da Copa, a pacata pracinha vai se apinhar de gente. Porque, além da escola que entra em recesso, os servidores do município serão liberados. E quase todo mundo em Serra da Saudade é servidor do município. Vão todos para a praça, adianta a prefeita Neusa Ribeiro (foto abaixo).

– Por isso a cidade diminui: emprego, é quase só na prefeitura. Quero cursar Fisioterapia, mas, para trabalhar com isso, vou ter que ir embora – diz a estudante Franciele dos Santos, 19 anos, para depois responder que é difícil arrumar namorado ali:

– Todo mundo é meio irmão.

Em 1970, logo após a linha de trem que atravessava a cidade ser desativada, Serra da Saudade tinha 2,2 mil habitantes – quase três vezes mais do que os atuais 825. O aposentado Zezé Alfredo (à direita na foto abaixo), 76 anos, viu o município encolher e prefere as coisas como são hoje. Garante que “é tudo uma família grande”.

– Eu saio para a rua e levo três minutos para encontrar um amigo. Na cidade grande, vocês demoram quanto? – pergunta sorrindo.

Seu Zezé, como todo serrano-saudalense, tem remédio e dentista de graça, posto de saúde com acupuntura, fisioterapia e pouca fila. A prefeitura banca internet sem fio para todos, academia, pilates, aula de música, aula de artes e ginásio de esportes. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é de 7,8 – para se ter uma ideia, o de Porto Alegre é de 4,4. Em Serra da Saudade, não há um único morador de rua.

Ainda que tenha tudo isso, parece fazer falta na cidade o que os dois telões e a praça lotada poderão garantir.

– Para nós, a Copa do Mundo é só uma forma de empurrar o tempo – conclui seu Zezé.

Fonte: Na Beira da Copa