Com pragmatismo, faro de oportunidade na crise e cautela incorrigível, Marcus Teles levou a discreta empresa à dianteira no mercado
16 de julho de 2021
Ao se mudar da cidadezinha mineira de Dores do Indaiá para a capital do estado, Belo Horizonte, Marcus Teles cumpriu um ritual de passagem comum nos negócios de família à moda antiga. Em 1979, o garoto de 13 anos começou a trabalhar como office boy na livraria que um de seus irmãos mantinha havia mais de uma década na tradicional Galeria Ouvidor, no centro de BH. “Depois, fui faxineiro, caixa e vendedor”, conta. Quando completou 18, sua dedicação foi premiada: o irmão fez dele seu sócio, com uma participação de 10%. Desde então, o empreendimento do clã não parou de crescer — e Teles, o caçula dos quinze filhos de um fazendeiro, aos poucos assumiu o leme. No ano passado, em meio à pandemia, a Leitura se tornou a maior rede de livrarias no país.
Em 2021, a empresa continua acelerando. Em junho e julho, quatro novas unidades foram abertas, da pernambucana Caruaru ao bairro paulistano do Morumbi. Até setembro, serão mais cinco — o projeto é chegar a dezembro com 94 lojas. “O livro é um produto resiliente, e o brasileiro está estudando e lendo mais”, aposta Teles. “Vamos continuar acreditando.” O otimismo pode soar fora de lugar em meio à tempestade perfeita que abateu o mercado livreiro nos últimos anos, mas Teles e a Leitura viram uma janela de oportunidade na crise econômica e sanitária. Sem dívidas, a rede se expandiu sobre os escombros da concorrência. Avançou, notadamente, no vácuo deixado pela mastodôntica e endividada Saraiva, que entrou em recuperação judicial e passou de líder ao segundo posto (confira no quadro).
Teles não abre números de faturamento — só informa que, em 2021, prevê comercializar cerca de 7 milhões de livros, mais que nos últimos dois anos (dado condizente com a mais recente pesquisa do Snel, sindicato dos livreiros, que aponta uma recuperação do setor no primeiro semestre, com crescimento de 46%). Ele não esconde, contudo, o fator que permitiu à Leitura surfar incólume na maré brava: uma gestão baseada na austeridade, sem a ostentação das megastores em pontos nobres que levaram ao tombaço de Saraiva e Cultura. E também sem medo de nadar contra a corrente — enquanto todos corriam para a internet, no rastro da agressiva Amazon, a rede interrompeu sua loja virtual em 2014 para só investir em livrarias físicas, retomando a operação pouco antes da pandemia. “Como bom mineiro, ele é muito cauteloso. Espera as oportunidades e tem um conhecimento impressionante do potencial real de cada livraria”, explica o editor Marcos da Veiga Pereira, presidente do Snel.
Com esse espírito, a Leitura foi se expandindo em ritmo lento, gradual e seguro pelas bordas do país. Teles investiu primeiro em cidades médias e capitais fora do Sudeste, para só mais recentemente avançar sobre o Rio e a capital paulista. “Fomos antes para os lugares carentes de livrarias”, diz. Faz parte de suas táticas também cortar na carne sem dó quando preciso — tempos atrás, a Leitura chegou a abrir uma grande loja num shopping da Avenida Paulista, mas a fechou por não ser rentável. “Às vezes, o pessoal trata a livraria como se fosse um filho. Para nós, se estiver deficitária, será cortada”, afirma. Com uma cara mais popular, as lojas da rede vendem de presentes a itens de papelaria, além de livros. Têm ainda dificuldade em atrair um público mais qualificado — o que explica a recente ascensão da paulistana Livraria da Vila sobre os bairros abastados, despontando como rival.
Aos 54 anos, Teles aplica a mesma lógica de sua biografia ao modelo de expansão da Leitura — a meritocracia. A rede opera com uma fórmula de sócios-gerentes, que vão de irmãos, sobrinhos e primos a profissionais que se destacam entre os funcionários. O clã Teles mantém o controle acionário, mas dá a esses gestores a chance de faturar com os lucros — o que, claro, estimula sua dedicação (além de conter os gastos trabalhistas da própria rede, ao reduzir o quadro de empregados). “Os sócios locais conhecem o gosto dos leitores de suas regiões e cuidam de cada loja como se fossem donos de 101% delas”, diz Eduardo Cunha, diretor da consultoria especializada Yandeh. Espalhar a leitura, enfim, também é capitalismo.
Fonte: Veja